Un hombre (mayor que muchos, menor que menos), no estaba seguro de haber nacido. Se pellizcaba y, en efecto, sí sentía dolor. Pero desconfiaba aún de la verdadera existencia de la mano que pellizcaba...
El dolor, decía, no es prueba suficiente de estar vivo. Puede muy bien tratarse de angustia a la nada, y sobre la nada no hay nada que decir.
Mientras decía todo esto, preparaba unas sabrosas tostadas con mermelada.
Na visão das cores, a fantasia em contemplação se dá a conhecer, ao contrário da imaginação criadora, como fenômeno primordial. É que o próprio ser humano corresponde a toda forma, a todo traço que ele percebe, em sua capacidade de produzi-los. O próprio corpo na dança, a mão no desenho, reproduz os elementos de sua percepção e os incorpora a si. Esta capacidade encontra porém os seus limites no mundo das cores: o corpo humano não é capaz de produzir a cor. Ele não corresponde a ela em sentido criativo, mas sim receptivo: através do olho que reverbera em cores. [...] Em suma: a cor pura é o meio da fantasia, a pátria de nuvens da criança que brinca, não é o cânone rigoroso do artista que constrói. Nesse contexto insere-se o efeito “ético-sensorial” das cores, que Goethe apreendeu inteiramente no sentido do Romantismo:
As cores transparentes são ilimitadas em sua luminosidade e em seu obscurecimento – como fogo e água podem ser contemplados em seu ápice e sua profundidade [...] A relação da luz com as cores transparentes é, quando se aprofunda nisso, infinitamente encantadora, e o inflar das cores e o dissolver-se umas nas outras, e o ressurgir e o desaparecer é como a tomada de fôlego em largas pausas, de eternidade em eternidade, da luz mais intensa até a calma solitária e eterna nas tonalidades mais profundas. As cores opacas, ao contrário, são como flores que não ousam comparar-se com o céu, e, todavia, vinculam-se, de um lado pelo branco, com a fraqueza, e de outro pelo negro, com o mal. Mas justamente essas cores são capazes [...] de produzir variações tão agradáveis e efeitos tão naturais que [...] as transparentes, ao final, participam desse jogo apenas como espíritos e servem tão somente para ressaltar as opacas.
Com estas palavras, o “suplemento” à Teoria das cores faz justiça à sensibilidade desses abnegados coloristas e, consequentemente, também ao espírito dos jogos infantis. Que se pense nos muitos jogos que se dirigem à pura intuição da fantasia; as bolhas de sabão, jogos de chá, a úmida policromia da lanterna mágica, as aquarelas e decalcomanias. Em todos eles as cores flutuam aladas sobre as coisas. Pois o seu encanto não irradia do objeto colorido ou simplesmente da cor inanimada, mas sim da aparência colorida, do brilho colorido, da reverberação colorida.
Uma pessoa só é muito pouco para uma pessoa. Uma tempestade se arma no céu elétrico. As palavras que não se pode dizer são talvez muito provavelmente as mais necessárias. Aquelas que causam resfriado, enxaqueca, gastrite. A palavra tumor. A palavra temor. Indiferença. Aquela violência sutil e dolorida do silêncio. O silêncio cortante que encerra o fluxo. Quebra o contato, corta o vínculo. Me joga de volta a mim mesma. Me arranca um pedaço do mundo – você. Me diz que sim, há comunicação. Comunicamos bofetadas delicadas tanta coisa. Nossa incapacidade. Nossa recusa ao risco. Nossa conformação e preguiça de criar o que quer que seja, um pedaço de sentido para a próxima refeição. Aquela palavra que faz desviar o olhar, que levanta tua mão, que ergue sobrancelhas. Eu quero dizer. Rasgar a carne. Espaço. Uma pessoa é demais para uma pessoa só. A parte que não se ama e mil coisas que não cabem nas gavetas. Flutuamos. Precisar um pesadelo para ser inteira, para saber que sou capaz de menos, que desejo mais. O espelho ideal é prisma, cristal atravessado pela luz, reflete as cores no ritmo do vento. Falamos em honestidade, respeito, amor. Mas das coisas que não têm nome sequer ensaiamos o salto. Não há fatia, para dividir. Tenho artimanhas. Transparência não é cor, nem existe, é apenas trilha para a luz. Ilumina.
-->Sentir o aconchego nessa falta de luz, nesse espaço fútil. Prefiro ignorar as aparências e nem mesmo cultivo a imaginação, prezo por esse silêncio. Sou bastante incapaz de qualquer coisa e sei bem que nenhuma preocupação vale o que quer que seja. E tirar o peso de todas as palavras é simplesmente não dizer nada ou é apenas adormecer. Não há abrigo nessa cidade, mas também já não há cidade... Nós sempre estivemos aqui, embora ainda tenhamos na memória o dia em que começamos a caminhar.
Carregado de mim ando no mundo,
E o grande peso embarga-me as passadas,
Que como ando por vias desusadas,
Faço o peso crescer, e vou-me ao fundo.
O remédio será seguir o imundo
Caminho, onde dos mais vejo as pisadas,
Que as bestas andam juntas mais ornadas,
Do que anda só o engenho mais profundo.
Não é fácil viver entre os insanos,
Erra, quem presumir, que sabe tudo,
Se o atalho não soube dos seus danos.
O prudente varão há de ser mudo,
Que é melhor neste mundo o mar de enganos
Ser louco cos demais, que ser sisudo.
Intrigado com uma certa potência que se sente vir do outro lado da porta que há anos alguém encerrara para sempre, escondendo ou destruindo a chave, colocando na sua feitura materiais pesados ou intransponíveis, eis que o bom cantor desiste de cantar, o bom atleta de correr, o bom orador de falar, o bom lutador de lutar e até o bom filósofo pousa as mãos no tampo da mesa demonstrando que desistiu formalmente de pensar.
Do outro lado dessa porta que nenhum vivo viu jamais aberta está uma coisa - e viva - de forma, função e linguagem inacessíveis, que, no entanto, também, há muito tempo, há muitos e muitos anos, desistiu.
Muitos dias no leito, entre dormindo e desperta, em silêncio. Sem ânimo sequer de abrir os olhos, porém com um novo e passageiro sentido à espreita em algum ponto do meu ser (ou este sentido é o meu ser total que se aguçou?), percebo os lentos e solenes movimentos do mundo, a montagem da máquina. Outro nome poderia ter este imenso aparato que aos poucos se organiza no espaço? Continuo atenta aos ruídos habituais do apartamento, aos que vêm de outros pontos do edifício e aos que vêm da rua. Mas os passos sutis de minha mãe, o arranhar das portas gradeadas e não lubrificadas dos elevadores, as misturadoras de concreto e as serras mecânicas do prédio em construção, buzinas de automóveis, pregões, um amolador de tesouras, parecem-me disfarces, uma cortina de pequenos acontecimentos ilusórios, para ocultar o evento verdadeiro, o que me diz respeito e se relaciona com meu destino - a formação da máquina. As grandes peças vão surgindo (quem sabe de onde vêm?) e ajustam-se, organizam-se, chapas oxidadas de um navio com a quilha voltada para mim. Toda a máquina se arma em função do ponto em que estou. Semelha um navio? Talvez evoque, de maneira mais aproximada, uma esquadra numerosa, não ancorada no mar e sim no ar, dispostas em naves em formação cônica e de tal modo que eu seja o vértice do cone. O avançar do tempo é marcado pelas límpidas pancadas que se irradiam do Mosteiro de São Bento. Noite e dia, numa elaboração que parece interminável, forma-se a gigantesca máquina ou esquadra, forma-se, acrescenta-se e suas juntas rangem se o vento se levanta. Parece estar concluída, aprestada para a sua missão, que desconheço qual seja. Quando menos espero, uma unidade ou outra se desloca, as partes das quais se separam vão preenchendo o claro, enquanto as unidades deslocadas reaparecem além ou voltam à sua origem ignota.
São três ou quatro horas da manhã quando afinal se completa. Não se ouvem rumores no edifício ou na cidade. Apenas, com intervalos mais ou menos longos, o ranger de um bonde sobre os trilhos, talvez rodando vazio. Mesmo as mulheres que lavam pela madrugada o piso encardido dos cafés situados entre a praça da Sé e o prédio dos Correios decerto já seguiram para as suas casas no subúrbio. Os onze elevadores no prédio estão parados: dois no térreo, um no oitavo andar, outro no décimo sétimo, ainda outro no último e os demais quem sabe onde. Alguns devem estar desarranjados, sempre há alguns precisando de consertos. O relógio de São Bento bate meia hora, três pancadas desiguais que se repetem. Meia hora de que hora? Eu espero. Deitada de costas, estendo os braços ao longo do corpo, os dedos crispados nos lençol, as pernas alongadas, unidas - e espero. A máquina, etérea mas real, seu arcabouço inatingível invadido em parte pela estrutura concreta do Martinelli, a máquina, varada por morcegos e tão alta que as últimas peças engolfam-se nas nuvens negras, nas nuvens dessa noite sem estrelas, a máquina se move e pousa delicadamente em mim. Gira e zumbe, assemelha-se a um pião em movimento, gira, giro vagaroso, zumbe e quase inaudível é o rumor que produz. Não tenho dificuldades em compreender que a sua lenta formação é puramente simbólica, que nada a impediria de formar-se mais rapidamente e que mesmo o fenômeno da formação da máquina seria indispensável, uma vez que, na verdade, sua existência é anterior à consciência que eu tenho de sua presença e de sua própria fabricação. A máquina, suavemente, gira sobre mim, a ponteira pousada no meu ventre. Seu giro capta os fatos do mundo, a ressonância dos fatos do mundo, mói em suas rodas as coisas e os eventos, verte-os em mim. Nas trevas, no silêncio, sem ninguém que me ajude a suportar esse momento em que, sob o vértice da máquina, suporto o seu peso, não, bem entendido, um peso físico, mas um peso que nasce da sua grandeza e da sua austeridade, processa-se em mim uma mudança de estágio, uma sagração. Sou, nessa hora, a partir dessa hora, a foz terrível das coisas, o ponto ou ser para onde converge, com suas múltiplas faces, o que o homem conhece, o que julga conhecer, o de que suspeita, o que imagina e o que nem sequer lhe ocorre que exista.
Deixaria você me ver viver?
por tempo curto e espaço insignificante
deixaria você?
as ruas seguem pretas e cinzas
e os muros pintados com tintas
os planos e as velas derretidas
por pouco barulho e muita ferida
algumas lágrimas e três latidas
por tudo isso e um pouco menos
deixaria você me ver morrer?
por reflexos no aparelho de tv
por silêncios
a súplica que precede o amanhecer
outro dia de pedido
outro dia de dúvida
deixaria você ?
*
Um dia eu andava em qualquer lugar, eu olhava pra qualquer imagem.
Eram símbolos, eu andava atrás de ícones e imagens que me fizessem lembrar algo que eu não entendia.
Mas eu estava me sentindo seguro, aquele lugar era um lugar comum e aconchegante.
Um dia eu achei uma pessoa, um dia eu achei uma situação.
Os símbolos eram facilmente identificáveis e eu os assimilei sem dificuldade.
Agora eu estou seguro da fluidez. As instituições são a minha intuição.
Quando eu mergulhei no mar eu senti o infinito e eu tive frio.
Quando eu beijei você o complexo acenou para mim.
Eu fui o que eu deveria ser, e eu sou o que nós somos.
Eu vejo ícones.
Eu vejo uma vida de logotipos.
Eu me sinto calmo, eu sinto paz.
Conheço as palavras pelo dorso. Outro, no meu lugar, diria que sou um domador de palavras. Mas só eu - eu e os meus irmãos - sei em que medida sou eu que sou domado por elas. A iniciativa pertence-lhes. São elas que conduzem o meu trenó sem chicote, nem rédeas, nem caminho determinado antes da grande aventura.
Sim. Conheço as palavras. Tenho um vocabulário próprio. O que sofri, o que vim a saber com muito esforço fez inchar, rolar umas sobre as outras as palavras. As palavras são seixos que rolo na boca antes de as soltar. São pesadas e caem. São o contrário dos pássaros, embora "pássaro" seja uma das palavras. A minha vida passou para o dicionário que sou. A vida não interessa. Alguém que me procure tem de começar - e de se ficar - pelas palavras. Através das várias relações de vizinhança, entre elas estabelecidas no poema, talvez venha a saber alguma coisa. Até não saber nada, como eu não sei.
Para amanhã, a carne e o ar. Estar no mesmo lugar sem sequer imaginar como é possível. No mesmo lugar outra vez, um instante curto para olhar nos olhos, de relance. Sentir todas as forças e sutilmente, escapar. Subjugados, anjos caídos ou enxame de moscas, formigas, farelos, tanto faz. Um reflexo vazio, uma música oca são apenas tonalidades indefinidas, tudo o que temos.
Ouvir atentamente a chuva e seu ininterrupto blá blá blá. Tentar qualquer coisa para se manter aqui, para estar ainda. Uma coisa qualquer, coleção de carrapatos, o terrível vício de criar elos e conectar fatos – até mesmo isso pode ser válido. Meu estimado subterfúgio, conceda-me seu olhar, por um instante, e aquele abraço infinito. Algo mais a dizer? (Continuar o exercício da dissimulação. Grau máximo, com perícia). Nada. Idéia fixa.
A sombra de um número que só agora foi possível distinguir. Dois. Uma linha que se traça, a linha de um rasgo, um movimento de duas mãos, uma partida. Tantas outras sombras, imagens borradas embaralham todo discernimento. Prosseguimos rumo à exaustão. Ela chega e ainda continuamos, não há opção senão essa. O que nos move? Acontecimentos pequeninos e tão bruscos! Fica essa ruga na face, pelos arrepiados, uma estranha sensação. Continuo esperando, quase todos os dias bem atenta a qualquer sinal. Faço mil e cinco descobertas, crio modos e invento funções, novos papéis, depois troco a roupa das bonecas durante o espetáculo e todos acham o máximo! Nessa espera muitas coisas se perdem, alguns pedaços do fígado – eterno – de Prometeu. Mesmo desejando muito, não durmo uma noite sequer. Quem virá nos salvar? Quais os números que podem nos redimir?
As núpcias da Essência e da existência. Vir a ser é assim. Oração para chamar o minotauro, silogismo para pegar no sono. Que tal a fala, que tal você falando? Dizendo o que não sei, ouvindo o que estou cansado de saber? Quer ser eu? Para quê? O que é que vai fazer comigo? Ficar assim? Comunico. Vou embora. Tudo vai embora comigo. Tudo vai ficar sozinho. Mudar de rumo no meio. Alteração permitida. De novo, o espelho. A lei da atração dos espelhos me fixa aqui. Regra dos sólidos. Não me procurem em Euclides. Um giro. Quero mudar. É uma abstração. Pensar. Perguntar interrompe. Trago tudo comigo. Um imperador morre de pé. Tudo é uma questão só. Fiquei sem graça quando acordei dentro de um susto, o sonho foi-se. Só faço as coisas que me deixam fazer. Por exemplo, eu fico. Eu não estou mais adiante. Não adianta. Eu não passei por trás. Não me atraso. Tudo tem muito que crescer ainda. Faz de conta que eu não conto. Dobre a língua, deixe ler. O que você está fazendo aí parado, sei fazer melhor que você. Tenho o condão mesmo quando não há nada para dizer. Melhor. Escreveremos à sombra sobre sombras, sonhando. Lanço uma hipótese, uma pergunta eclipsada por uma resposta. Crio contextos. Faço parte do que eu faço. Desenvolvo uma lógica. O ritmo é a lógica, quando esta se extingue, ponho um ponto final. É a música da carência. Ouvimos em direção ao nada. Perder-se no nada. Abri a porta: nada. Nada dizia nada. O nada no ar. O nada no som. A cidade não era nada. Eu não era nada. Mas eus voltei do nada. Nada tenho a declarar. O nada é o maior espetáculo da terra. Quase ouvir é melhor que ouvir. Faço uma proposta, frase feita por via de uma dúvida: alguém pensou aqui, e não fui eu. O mundo não quer que eu me distraia; distraído, estou salvo. Essa necessidade não é só física; é a necessidade da verdade, a carência de informações, a pobreza dos dados. Não é agradável ser olhado por nós, sai da geografia por meio da história. Faz física e a nega quando filosofia. Aprende errando.
[...]
Arrevensando-se na queda, a pedra heracléia atrai a estátua, estabelecendo afinidades infinitamente próximas do zero da sua igualdade, olha a democracia imperante nessa equação, a atração da gravidade chegou atrasada à extrema gravidez da situação, por vir praticando os círculos reflexivos em todo o largo do percurso vivo. Saiu daí, não me serve, caindo nos incorrigíveis esquemas das danças lacônicas. Afrontispígio, aprontife-se! A cena ininterrupta susta-se, o ventrólogo pelo ventrículo, a canícula pelo cubículo, o estímulo pelo patíbulo, satrelistem-se!