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30 de jun. de 2010

cruzamentos



Deixaria você me ver viver?
por tempo curto e espaço insignificante
deixaria você?
as ruas seguem pretas e cinzas
e os muros pintados com tintas
os planos e as velas derretidas
por pouco barulho e muita ferida
algumas lágrimas e três latidas
por tudo isso e um pouco menos
deixaria você me ver morrer?
por reflexos no aparelho de tv
por silêncios
a súplica que precede o amanhecer
outro dia de pedido
outro dia de dúvida
deixaria você ?





Um dia eu andava em qualquer lugar, eu olhava pra qualquer imagem.
Eram símbolos, eu andava atrás de ícones e imagens que me fizessem lembrar algo que eu não entendia.
Mas eu estava me sentindo seguro, aquele lugar era um lugar comum e aconchegante.
Um dia eu achei uma pessoa, um dia eu achei uma situação.
Os símbolos eram facilmente identificáveis e eu os assimilei sem dificuldade.
Agora eu estou seguro da fluidez.
As instituições são a minha intuição.
Quando eu mergulhei no mar eu senti o infinito e eu tive frio.
Quando eu beijei você o complexo acenou para mim.
Eu fui o que eu deveria ser, e eu sou o que nós somos.
Eu vejo ícones.
Eu vejo uma vida de logotipos.
Eu me sinto calmo, eu sinto paz.



mano

21 de jun. de 2010

vocabulário

Não sei nada

Conheço as palavras pelo dorso. Outro, no meu lugar, diria que sou um domador de palavras. Mas só eu - eu e os meus irmãos - sei em que medida sou eu que sou domado por elas. A iniciativa pertence-lhes. São elas que conduzem o meu trenó sem chicote, nem rédeas, nem caminho determinado antes da grande aventura.
Sim. Conheço as palavras. Tenho um vocabulário próprio. O que sofri, o que vim a saber com muito esforço fez inchar, rolar umas sobre as outras as palavras. As palavras são seixos que rolo na boca antes de as soltar. São pesadas e caem. São o contrário dos pássaros, embora "pássaro" seja uma das palavras. A minha vida passou para o dicionário que sou. A vida não interessa. Alguém que me procure tem de começar - e de se ficar - pelas palavras. Através das várias relações de vizinhança, entre elas estabelecidas no poema, talvez venha a saber alguma coisa. Até não saber nada, como eu não sei.

Ruy Belo
em Homem de palavra[s]