A dor do diálogo
Esse
livro [Blanchot se refere a Le square,
de Marguerite Duras, mas vamos imaginar qualquer outro] não é certamente
ingênuo, e embora nos atinja desde suas primeiras páginas, por um contato ao
qual não fugimos – é estranha essa espécie de lealdade que a leitura faz
renascer em nós -, não tem, não pode ter a simplicidade cuja aparência nos
oferece, pois a dura simplicidade das coisas simples, com as quais ele nos põe
em relação, é dura demais para poder simplesmente aparecer.
Duas
vozes quase abstratas, num lugar quase abstrato. É isso que nos atinge
primeiramente, essa espécie de abstração; como se esses dois seres que
conversam numa pracinha – ela tem vinte anos e é empregada doméstica; ele, mais
velho, vai de feira em feira vendendo coisas de pouco valor – não tivessem
outra realidade senão suas vozes, e esgotassem nessa conversa fortuita o que
resta de chance e verdade, ou mais simplesmente de palavras, a um homem vivo.
Eles precisam falar, e essas palavras precavidas, quase cerimoniosas, são terríveis
devido à contenção, que não é apenas a polidez das existências simples, mas é
feita da extrema vulnerabilidade desses dois seres. O temor de ferir e o medo
de ser ferido estão nas próprias falas. Elas se tocam, se retiram ao menor
contato um pouco mais intenso; estão ainda vivas, certamente. Lentas, mas
ininterruptas, e não se detendo por receio de não ter tempo: é preciso falar
agora, ou nunca; entretanto sem pressa, pacientes e na defensiva, calmas também,
como é calma a fala que, se não se contivesse, quebrar-se-ia num grito; e
privadas, num grau doloroso, da facilidade da tagarelice que é a leveza e a
liberdade de certa felicidade. Ali, no mundo simples da carência e da
necessidade, as palavras se concentram no essencial, atraídas apenas pelo
essencial, e monótonas, por conseguinte, mas também demasiadamente atentas
àquilo que se deve dizer para evitar as fórmulas brutais, que poriam fim a
tudo.
É que
se trata de um diálogo. A surpresa que esse diálogo provoca em nós nos faz
perceber o quanto é raro; ele nos coloca diante de um acontecimento inabitual,
quase mais doloroso do que maravilhoso.
Maurice Blanchot, em O
livro por vir