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4 de set. de 2012

a natureza e os verbos no infinitivo


Autos: novos e usados

      Olhe bem o que eu lhe digo, pronto,  escute, eu sei, mas como estou  a falar do que se vê prefiro dizer-lhe para olhar. Falámos já de tantas coisas que a minha recapitulação será inevitavelmente incompleta. Mas acho isso desculpável. Falámos das tradições e dos saberes distantes que se encontram, da vontade de não deixar nada de fora, embora aqui de pouco mais se tratasse do que de salvar qualquer coisa mesmo sendo apenas a nossa boa consciência. E também, aqui e ali, falámos de perturbação, mesmo da urgência de a provocar  e também da arte que tem - ou pelo menos deve - engendrar problemas, inquietação e até provocação.
      Parecíamos os da publicidade quando falámos de provocação, parecia um excesso, mas tenho para mim que se tratava apenas de não saber dizer mais nada.
      Foi de tudo, nada nos escapou. Enumerámos as razões tão demorada e exaustivamente quanto as legitimidades e, atenção, como pessoas cuidadosas que somos, não deixámos de fora nem as expectativas.
     O resultado não foi brilhante. Acumulámos um saber - não chegou para sabedoria - um pouco esbranquiçado. Sabe, como há aqueles que lavam o dinheiro, pouco mais fizemos do que lavar, e sem intenção deliberada o que ainda é mais grave, alguns propósitos sobre os artistas, ou a arte, como quiser.
      Esquecemos, porém,  duas coisa que creio importantes: o encantamento e a estranha capacidade de nos movimentarmos no tempo
     Há muitos, muitos anos vi um livro, sobre não sei quê,  que tinha uma série de ilustrações que me encantaram. Encantar é algo que está aquém daquilo que se pode traduzir numa explicação, primeiro porque o nosso, deixe-me usar um termo repugnante, aparelho conceptual não pode e depois, mais tarde, porque não o quer. E não o quer mesmo e nada adianta. Também não é preciso este estar aquém, serve igualmente estar além ou apenas e simplesmente não estar.
     O tempo desloca então estas memórias e junta-as a coisas que então não eram de todo entendidas: tratava-se nesse então sempre de imagens e não do seu estatuto, da sua idade ou da sua técnica de reproductibilidade.... O pato Donald mexia-se porque seria contra a natureza não se mexer ou, pior  ainda, adivinhar as condições do seu movimento.
     Todas estas imagens são assim, estabelecem uma espécie de círculo entre o que vi e vejo. Distam muitas dezenas de anos entre a descoberta e o reencontro, que por razões éticas e também de asseio vou elidir. Há também tudo o que mudou e transforma: mais uma vez o tempo, a técnica e o inevitável eu.
     Apresentando naturais desculpas.

Jorge Molder, aqui