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14 de mar. de 2013

o pedregulho

Vejam, quando se tem uma espécie de abismo em si, que aumenta a cada instante... Para muitos, é um precipício. E o que faz um homem que chega à beira do precipício, que tem vertigem? Instintivamente, ele olha para o mais perto possível - vocês o fizeram, vocês viram outros fazerem. É simples, é a coisa mais simples. Leva-se o olhar ao degrau imediato ou ao pilar, à balaustrada, ou a um objeto fixo para não ver o resto. À beira do abismo, o homem não construirá uma filosofia da queda ou do desespero. Olhará com muita atenção para o pedregulho para não ver o resto. Agora acontece de o pedregulho se abrir por sua vez e tornar-se também um precipício. Assim, qualquer objeto, basta querer descrevê-lo, abre-se por sua vez, torna-se um abismo. Mas esse abismo pode se fechar. É menor. É possível, pelos meios da arte, voltar a fechar um pedregulho. Não é possível voltar a fechar o grande buraco metafísico. Mas talvez a maneira de voltar a fechar o pedregulho valha para o resto, terapeuticamente. Isso faz com que se continue a viver por mais alguns dias.

Francis Ponge, Métodos