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13 de mai. de 2013

maiúsculas e minúsculas

Pequeno raciocínio fantástico 
ou
O delírio teórico da baronesa


Mas é a verdade, eu vivo e escuto do que eu vivo ao mesmo tempo.
Ouço um noturno discurso a me descrever exatamente isto em pormenor.
Tudo me leva a crer que se trata do Texto Perfeito da minha própria vida, da Biografia Ideal, que se produz como texto simultaneamente à vida. Ao ouvir este longo texto, um  pouco encantada sem dúvida, percebo que o seu segredo é ter encontrado a perfeita harmonia entre as palavras que se pensam (a grafia da vida) e a realidade sem palavras (a própria vida que me vive). Percebo ainda que sou eu também que escuto em surdina o velho discurso que me grafa. 
E finalmente vislumbro maravilhada que
sou eu que escrevo, agora, aqui neste cais deserto onde entra sem ser visto um velho cargueiro inglês. Percebo que o seu segredo é que, ao dizer "eu", este texto realiza a conjunção entre o real (esta minha vida ou quem a viva), o simbólico (este discurso ou o pronome eu que aqui deliro) e o imaginário (este ouvir constante da minha própria biografia); e, ao realizar esta conjunção, manifesta também o momento que consciente e inconsciente se encontram sobre as pedras úmidas do porto e ao que tudo indica é aí que são produzidos clandestinamente desejos informuláveis. O desejo que me foi devolvido (formulo agora) é o de não ser apenas uma Personalidade (que são as únicas personalidades que ganham - eu não disse "merecem"- biografias).
MERA QUESTÃO DE MAIÚSCULAS OU MINÚSCULAS.

... E assim torturada a minúscula baronesa de macau imita seu cônjuge e rola pelo chão sob os olhares espantados do escritor Carlos Saldanha e da sua falsa coruja, enquanto ecoam pela sala as palavras do seu mestre:


"E basta de comédias na minh`alma!"



Ana Cristina Cesar, Antigos e soltos