Mancha
Tenho 16 anos
Sou viúva
De família azul
De cabelos esvoaçantes
(E nada rebeldes)
Sou genial sob todos os pontos de vista,
Inclusive de perfil
A poesia é uma mentira, mora.
Pelo menos me tira da verdade relativa
E ativa a circulação consanguínea
A Pedra Filosofal é um tanto ou quanto besta
Plutarcoplatãopauto
Plutãoturcotãopauto
Platocotãopuloplau
Desisto: tenho 16 anos.
E perdi-me agora rabiscando-te
Ana Cristina Cesar, em Inéditos e dispersos
29 de jan. de 2014
24 de jan. de 2014
metanoia
tenho andado fraco
levanto a mão
é uma mão de macaco
tenho andado só
lembrando que sou pó
tenho andado tanto
diabo querendo ser santo
tenho andado cheio
o copo pelo meio
tenho andado sem pai
yo no creo en caminos
pero que los hay
hay
Paulo Leminski, em Polonaises
12 de jan. de 2014
as máscaras e seus usos
Quanto a mim, eu
Um estudante americano (ou positivista, ou contestatário: não posso destrinçar) identifica, como se fosse óbvio, subjetividade e narcisismo; ele acha, sem dúvida, que a subjetividade consiste em falar de si, e a falar bem de si. O que ocorre é que ele é vítima de um velho par, de um velho paradigma: subjetividade/objetividade. Entretanto, hoje, o sujeito se coloca alhures, e a "subjetividade" pode voltar num outro trecho da espiral: desconstruída, desunida, deportada, sem ancoragem: por que eu falaria mais de "mim", já que "mim" não é mais "si"?
Pronomes ditos pessoais: tudo se joga aqui, estou fechado para sempre na liça pronominal: o "eu" mobiliza o imaginário, o "você": e o "ele" a paranóia. Mas também, fugitivamente, pode revirar-se: em "quanto a mim, eu", o "eu" pode não ser o mim, que ele quebra de um modo carnavalesco; posso me chamar de "você", como Sade o fazia, para destacar em mim o operário, o fabricante, o produtor de escritura, do sujeito da obra (o Autor); por outro lado, não falar de si pode querer dizer: eu sou Aquele que não fala dele, e falar de si dizendo "ele", pode querer dizer: falo de mim como se estivesse um pouco morto, preso numa leve bruma de ênfase paranóica, ou ainda: falo de mim como o ator brechtiano que deve distanciar sua personagem: "mostrá-lo", não encarná-lo, dar à sua dicção uma espécie de piparote, cujo efeito é descolar o pronome de seu nome, a imagem de seu suporte, o imaginário de seu espelho (Brecht recomendava ao ator que pensasse todo o seu papel na terceira pessoa).
Afinidade possível da paranóia e do distanciamento, por intermédio da narrativa: o "ele" é épico. Isto quer dizer: "ele" é mau: é a palavra mais maldosa da língua: pronome da não-pessoa, ele anula e mortifica seu referente; não se pode aplicá-lo, sem mal-estar, à pessoa a que se ama: chamando alguém de "ele", visualizo sempre uma espécie de assassinato pela linguagem, cujo palco inteiro, por vezes suntuoso, cerimonial, é o mexerico.
E por vezes, para irrisão de tudo isto, o "ele" cede seu lugar ao "eu", pelo simples efeito de um embaraço sintático: pois numa frase um tanto longa, o "ele" pode remeter, sem prevenir, a muitos outros referentes que não eu.
Eis aqui uma série de orações fora de moda (se elas não fossem contraditórias): eu não seria nada se não escrevesse. No entanto, estou em outra parte, que não é aquela em que escrevo. Valho mais do que aquilo que escrevo.
Roland Barthes, em Roland Barthes por Roland Barthes, p. 185-186.
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