[...] Às vezes, como um alívio para a caminhada nas ruas da
cidade, retira-se para Hampstead Heath. Lá, o ar é suave e quente, os caminhos
são cheios de jovens mães empurrando carrinhos ou conversando umas com as
outras enquanto os filhos correm. Tanta paz e contentamento! Costumava não ter
paciência com poemas sobre flores desabrochando e leves aragens soprando.
Agora, na terra onde esses poemas eram escritos, começa a entender como a
alegria pode ser profunda com a volta do sol.
Cansado, numa tarde de domingo,
sobra o paletó como um travesseiro, estica-se no gramado e cai num sono, ou
meio-sono, em que a consciência não desaparece, mas continua a pairar. É um
estado que jamais experimentou: parece sentir no sangue o giro constante da
Terra. Os gritos distantes das crianças, os pássaros cantando, o zunir dos
insetos, ganham força e se fundem numa ode de alegria. Seu coração incha.
Finalmente!, pensa. Finalmente ele chegou, momento de união extática com o
Todo! Temendo que o momento se esvaia, tenta deter estrépito de pensamento, tenta simplesmente
ser um conduto para a grande força universal que não tem nome.
Em tempo de relógio, esse sinal dura
não mais que segundos. Mas, quando se levanta e sacode o paletó, está
recuperado, renovado. Viajou pela grande cidade escura para ser testado e
transformado, e aqui, neste retalho de verde sob o suave sol de primavera,
surpreendentemente, chegou uma notícia de seu progresso. Se não foi
absolutamente transfigurado, foi ao menos abençoado com um indício de que
pertence a esta Terra.
J.
M. Coetzee, Juventude, p.115-116