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Sir William concedia três quartos de hora a cada um dos
seus pacientes; e nessa ciência exigente que lida com aquilo de que nada se
sabe, em suma – o sistema nervoso, o cérebro humano -, se um médico perde o
senso da medida, então está fracassado como médico. Saúde é o que se deve ter;
e saúde é medida; de modo que, quando um homem nos entra no consultório e diz
que é Cristo (uma ilusão comum) e que tem uma mensagem, como a maioria deles, e
ameaça, como geralmente fazem, com o suicídio, tem-se de invocar a medida;
prescrever repouso na cama; repouso na solidão; silêncio e repouso; repouso sem
amigos, sem livros, sem mensagens; seis meses de repouso; até que um homem que
nos chega com cinquenta quilos saia pesando oitenta.
Medida, divina medida, deusa de Sir
William, que Sir William adquirira visitando hospitais, pescando salmão,
engendrando um filho, em Harley Street, por intermédio de Lady Bradshaw, que
também pescava salmão e tirava fotografias que mal se distinguiam das obtidas
por profissionais. Com sua adoração pela medida, Sir William não só prosperava
pessoalmente como fazia prosperar a Inglaterra, isolando-lhe os lunáticos,
proibindo-lhes procriarem, incriminando o desespero, impedindo os incapazes de
propagarem suas ideias até que estes também compartilhassem do seu senso da
medida – o seu, se eram homens, o de Lady Bradshaw, se eram mulheres (ela
bordava, fazia trabalhos de agulha, passava quatro noites por semana em casa
com o filho), de modo que não apenas os colegas o respeitavam, e temiam-no os subordinados,
mas os amigos e a parentela de seus pacientes lhe dedicavam a mais viva
gratidão, por insistir em que aqueles proféticos Cristos e Cristesas, tomassem
leite na cama, como Sir William prescrevia; Sir William, com seus trinta anos
de experiência desses casos, o seu infalível instinto: isto é loucura, isto é
senso; o seu senso da medida.
Mas a medida tem uma irmã, menos
sorridente, mais formidável, uma deusa agora mesmo empenhada – no sol e areias
da Índia, na lama e pântanos da África, nas cercanias de Londres, em toda
parte, enfim, onde o clima ou o Diabo tentam o homem a abandonar a verdadeira
fé, que é a dela própria -, agora mesmo empenhada, sim, em derrubar altares,
desperdiçar ídolos e erigir no lugar deles o seu austero porte. Conversão é o
seu nome, e regala-se na vontade dos débeis, pois ama convencer, impor-se, e
adora as próprias feições estampadas na face do populacho. Em Hyde Park Corner,
predica, sobre um barril; veste-se de branco e vai penitencialmente disfarçada
de fraternidade, por fábricas e parlamentos; oferece auxílio, mas deseja poder;
afasta brutalmente do caminho o dissidente ou o insatisfeito; outorga a sua
bênção àqueles que, erguendo a cabeça, recebem submissamente, dos olhos dela, a
luz dos próprios olhos. Essa potestade também (Rezia Warren Smith adivinhou-o)
tinha sua morada no coração de Sir William, embora oculta, como quase sempre,
sob algum plausível disfarce, algum venerável nome: amor, dever, sacrifício.
Como não devia ele trabalhar! Que de esforços para obter fundos, propagar
reformas, fundar instituições. Mas a Conversão, deusa importuna, ama o sangue
mais que a pedra, e regala-se mais refinadamente na vontade humana. Por
exemplo, Lady Bradshaw. Quinze anos antes havia-se submetido. Nada que se
notasse, afinal; nenhuma cena, nenhum ruído; apenas o moroso afundamento, o
lento naufrágio da sua vontade na dele. Doce era o seu sorriso, atenta a sua
submissão; as ceias em Harley Street, de oito ou nove pratos, e que reuniam de
dez a quinze colegas, eram tranquilas e urbanas.
Somente, enquanto a noite avançava,
um levíssimo enfado, ou constrangimento talvez, um gesto nervoso, embaraço,
desassossego ou confusão indicavam – coisa penosa de crer – que a pobre
senhorita mentia. Em outros tempos, há muito, ela pescara salmão livremente;
agora, pronta a atender à sede de domínio, de poder, que ardia untuosamente nos
olhos do marido, ela diminuía-se, recolhia-se, apagava-se, apenas aparecia; de
modo que, sem que se soubesse ao certo o que tornava desagradável o serão e
punha um peso na cabeça (o que bem se podia atribuir à conversação profissional
ou à fadiga de um grande médico, cuja vida, dizia Lady Bradshaw, “não era sua,
mas de seus pacientes”), os convidados, quando o relógio batia as dez,
respiravam com delícia o ar de Harley Street; alívio este que, no entanto, era
vedado aos pacientes de Bradshaw.
Virginia
Woolf, Mrs. Dalloway (trad.: Mário Quintana), p.97-99