Q.
Enquanto Copi, sofregamente, segurava o pincel, dois raciocínios
a assustavam: o primeiro era de que havia muita palavra no mundo, muito mais do
que gente.
E o segundo de que o que nos liga ao passado, a memória (que
rege essas inúmeras fantasias eletivas que chamamos de lembranças) empalidece
ao sinal do primeiro desejo.
R.
“Quando você se transformou...”
“Nisso?! Nessa coisa?”
“Não foi isso que...”
“Há duas maneiras de lidar com o desejo: ou você apaga com o
extintor, que é o que as pessoas geralmente fazem, ou você deixa o fogo se
alastrar. Eu resolvi me incendiar.”
“Mas você tinha um bom emprego...”
“Um bom emprego? Jornalista? Em Mendoza? É tudo prostituição,
meu caro, tudo, uns vendem o corpo, outros a cabeça, alguns seu tempo, é tudo
putaria, todo mundo dá o cu.”
“E a sua família?”
“Travesti não tem família, ao menos de onde eu venho, não
mesmo.”
Carlos Henrique Schroeder, As fantasias eletivas