A casa da mata
1
custa um tempo por a casa em ordem
saber-se de novo em outro lugar
comprimir o pássaro no peito
acomodar as coisas em lugares calados
deixar de ouvir o barulho que não cessa
esta conversa úmida de folhas
o ar morno entrando com insetos
morar demora
até cair feito um besouro
cansado de debater-se contra as paredes
2
uma hora me encontrarei na casa da mata
faz dois dias o vento passa e eu assisto
haverá - quando houver - uma noite sem brisa
os insetos se calarão na marcação da pausa
estarei lá como o náufrago onde a onda não chega
Angela Lago
29 de dez. de 2017
12 de dez. de 2017
como olhas?
una mirada desde la alcantarilla
puede ser una visión del mundo
la rebelión consiste en mirar una rosa
hasta pulverizarse los ojos
Alejandra Pizarnik
16 de out. de 2017
mistério, segredo e muito mais
Sobre meu
braço esquerdo, sua cabeça (leve, não obstante a impressão de peso e de
volume); seu braço direito sob minha axila. A persistente e hábil pressão, em
minha língua, de seus dentes grandes e espaçados. A planta do meu pé esquerdo
brandamente pousada sobre o dorso do seu pé direito. Ingratidão é o prêmio do
mundo – dizem em alguma parte os cantores. Mas eu sou grata, eu sou grata, não
na boca, e sim em toda a minha carne, a tudo o que purgo para chegar a este
minuto, à intensidade com que responde meu corpo à aproximação do corpo deste
homem, à força com que meus quadris o arrastam para mim, ao modo como nos
povoam o bosque e a fauna ligeira do tapete, à cega ânsia com que nos
abraçamos, à temperatura desta hora, que me permite ostentar minha nudez e embeber-me
na sua como se os meus olhos fossem bocas e eu morresse de sede, e vê-lo
desnudo me dessedentasse e intensificasse a minha sede. Também sou grata ao
surdo e polido fulgor de nossos corpos. Ele me olha em silêncio, olha-me de
perto (o azul estriado de ouro dos seus olhos) e sua mão esquerda, descendo
pelo ventre, toca-me a parte interna das coxas. Eu abro as narinas, eu abro os
poros, eu abro a garganta, eu abro as artérias, eu abro um espaço, eu abro
passagem, eu abro as alas, eu abro as asas, eu abro uma fruta, eu abro uma
lucarna, eu abro as janelas, eu abro um portão, eu abro uma rua, eu abro uma
clareira, eu abro uma vereda, eu abro uma estrada, eu abro uma fenda, eu abro
uma vala, um sulco, uma cova, um rego, uma frincha, uma brecha, as pernas, abro
as pernas, as coxas, os pés, os joelhos, abro o sexo e ele invade a minha
carne. Lanço um grito de júbilo.
Osman Lins, Avalovara, p. 209-210
3 de jul. de 2017
quebrar o brinquedo é mais brincar
Parece-me que deveríamos apenas ler livros que nos mordam e espicacem. Se a obra que lemos não nos desperta como um murro sobre o crânio, qual a vantagem de a ler? Para que nos torne felizes? Meu deus, seríamos da mesma forma felizes se não tivéssemos livros. E os livros que nos deixam felizes, a rigor, poderíamos escrevê-los nós mesmos. Em contrapartida, precisamos de livros que sobre nós atuem de modo igual a uma desgraça; que nos façam sofrer muito, como a morte de quem amássemos mais do que a nós mesmos; como um suicídio. Um livro deve ser o machado que rompe o mar gelado existente em cada um de nós.
Franz Kafka
24 de jun. de 2017
pétala de fina flor
dialética amorosa
nada como uma briga depois da outra
assim panelas e palavras voam pela cozinha
copos misteriosamente somem do armário
e os rostos se franzem e vizinhos espiam
e abaixam o volume da tv pra poderem ouvir melhor
e fulano é isso e sicrano aquilo e a rua fica muda e respira silenciosamente enquanto portas batem bruscamente
e tudo fica escuro e respira-se fundo muito fundo
pra q se possa deixar ânimo e amor pras próximas brigas
q virão feito seriado feito novela feito os domingos desperdiçados ao lado de sorrisos nada felizes no almoço
o amor é belo e feroz feito a grama verde do vizinho q se separou ainda ontem da esposa
Sérgio Villa Matta
nada como uma briga depois da outra
assim panelas e palavras voam pela cozinha
copos misteriosamente somem do armário
e os rostos se franzem e vizinhos espiam
e abaixam o volume da tv pra poderem ouvir melhor
e fulano é isso e sicrano aquilo e a rua fica muda e respira silenciosamente enquanto portas batem bruscamente
e tudo fica escuro e respira-se fundo muito fundo
pra q se possa deixar ânimo e amor pras próximas brigas
q virão feito seriado feito novela feito os domingos desperdiçados ao lado de sorrisos nada felizes no almoço
o amor é belo e feroz feito a grama verde do vizinho q se separou ainda ontem da esposa
Sérgio Villa Matta
7 de mai. de 2017
espichada na tela
Natureza morta
Os livros são dorsos de estantes distantes quebradas.
Estou dependurada na parede feita um quadro.
Ninguém me segurou pelos cabelos.
Puseram um prego em meu coração para que eu não me mova
Espetaram, hein? a ave na parede
Mas conservaram meus olhos
É verdade que eles estão parados,
Como os meus dedos na mesma frase.
Espicharam-se em coágulos azuis.
Que monótono o mar!
Os meus pés não dão mais um passo.
O meu sangue chorando,
As crianças gritando,
Os homens morrendo,
O tempo andando,
As luzes fulgindo,
As casas subindo,
O dinheiro circulando,
O dinheiro caindo.
Os namorados passando, passeando,
O lixo aumentando,
Que monótono o mar!
Procurei acender de novo o cigarro.
Por que o poeta não morre?
Por que o coração engorda?
Por que as crianças crescem?
Por que este mar idiota não cobre o telhado das casas?
Por que existem telhados e avenidas?
Por que se escrevem cartas e existe o jornal?
Que monótono o mar!
Estou espichada na tela como um monte de frutas apodrecendo.
Se eu ainda tivesse unhas
Enterraria os meus dedos nesse espaço branco.
Vertem os meus olhos uma fumaça salgada,
Estou com tanto frio, e não tenho ninguém...
Nem a presença dos corvos.
Patrícia Galvão (publicado com o pseudônimo de Solange Sohl)
Os livros são dorsos de estantes distantes quebradas.
Estou dependurada na parede feita um quadro.
Ninguém me segurou pelos cabelos.
Puseram um prego em meu coração para que eu não me mova
Espetaram, hein? a ave na parede
Mas conservaram meus olhos
É verdade que eles estão parados,
Como os meus dedos na mesma frase.
Espicharam-se em coágulos azuis.
Que monótono o mar!
Os meus pés não dão mais um passo.
O meu sangue chorando,
As crianças gritando,
Os homens morrendo,
O tempo andando,
As luzes fulgindo,
As casas subindo,
O dinheiro circulando,
O dinheiro caindo.
Os namorados passando, passeando,
O lixo aumentando,
Que monótono o mar!
Procurei acender de novo o cigarro.
Por que o poeta não morre?
Por que o coração engorda?
Por que as crianças crescem?
Por que este mar idiota não cobre o telhado das casas?
Por que existem telhados e avenidas?
Por que se escrevem cartas e existe o jornal?
Que monótono o mar!
Estou espichada na tela como um monte de frutas apodrecendo.
Se eu ainda tivesse unhas
Enterraria os meus dedos nesse espaço branco.
Vertem os meus olhos uma fumaça salgada,
Estou com tanto frio, e não tenho ninguém...
Nem a presença dos corvos.
Patrícia Galvão (publicado com o pseudônimo de Solange Sohl)
26 de abr. de 2017
as extinções as feridas os prazeres
O livro rosa do
coração dos trouxas
I.
eu quando corto relações
corto relações.
não tem essa de
briga de torcida
todos os
sábados.
é a extinção do estádio.
vejo as forças
que atuam, a tesoura,
o papel,
a vontade de cortar.
tudo é provocação?
então embrulha
tua taquicardia
num sorvete de amêndoas,
reza que derreta.
quando lembro do
corte revivo a
ferida.
melhor não.
o corte é definitivo,
a dor retorna em forma
de milão madri
ou liverpool
quando convocada.
ricardo
lembra do teu passado
só se te dá
prazer.
[...]
Angélica Freitas, em Um
útero é do tamanho de um punho
11 de abr. de 2017
necessário descansar
Canção
O peso do mundo
é o amor.
Sob o fardo
da solidão,
sob o fardo
da
insatisfação
o peso
o peso que carregamos
é o amor.
Quem poderia negá-lo?
Em sonhos
nos toca
o corpo,
em pensamentos
constrói
um milagre,
na imaginação
aflige-se
até
tornar-se
humano –
sai para fora do coração
ardendo de
pureza –
pois o fardo da vida
é o amor,
mas nós carregamos o peso
cansados
e assim temos que descansar
nos braços do amor
finalmente
temos que descansar nos braços
do amor.
Nenhum descanso
sem amor,
nenhum sono
sem sonhos
de amor –
quer esteja
eu louco ou frio,
obcecado por anjos
ou por máquinas,
o último desejo
é o amor
- não pode ser amargo
não pode
ser negado
não pode ser contido
quando
negado:
o peso é demasiado
- deve dar-se
sem nada de volta
assim como
o pensamento
é dado
na solidão
em toda a excelência
do seu
excesso.
Os corpos quentes
brilham juntos
na escuridão,
a mão se
move
para o centro
da carne,
a pele treme
na
felicidade
e a alma sobre
feliz até o
olho –
sim, sim
é isso que
eu queria,
eu sempre
quis,
eu sempre quis
voltar
ao corpo
em que
nasci.
Allen Ginsberg, em Uivo
e outros poemas
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