(para Sophia)
[...]
– Está procurando caranguejos? – disse Medardo -, estou
atrás de polvos. – E me mostrou sua presa.
Eram grandes polvos marrons e brancos. Estavam cortados em
dois com um golpe de espada, mas continuavam a mover os tentáculos.
- Que se pudesse partir ao meio toda coisa inteira – disse meu
tio, de bruços no rochedo, acariciando aquelas metades convulsivas de polvo -,
que todos pudessem sair de sua obtusa e ignorante inteireza. Estava inteiro e
para mim as coisas eram naturais e confusas, estúpidas como o ar: acreditava
ver tudo e só havia a casca. Se você virar a metade de você mesmo, e lhe desejo
isso, jovem, há de entender coisas além da inteligência comum dos cérebros
inteiros. Terá perdido a metade de você e do mundo, mas a metade que resta será
mil vezes mais profunda e preciosa. E você já de querer que tudo seja partido
ao meio e talhado segundo sua imagem, pois a beleza, sapiência e justiça
existem só no que é composto de pedaços.
- Ah, ah – dizia eu -, que monte de caranguejos aqui! – E fingia
interesse apenas por minha caça, para manter-me distante da espada de meu tio.
Não voltei para a margem enquanto ele não se afastou com
seus polvos. Mas o eco das palavras dele continuava a me perturbar e não
encontrava sossego para essa fúria de dividir tudo ao meio. Para qualquer lado
que me virasse, Trelawey, Pedroprego, os huguenotes, os leprosos, todos se
encontravam sob o signo do homem partido ao meio, era ele o patrão a quem
servíamos e do qual não conseguíamos nos livrar.
Italo Calvino, O visconde partido ao meio, p.51-52.