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22 de mar. de 2021

o antes o depois o agora

 



OS ANOS NOVENTA


você não estava lá nas coisas mais decisivas da minha vida

mas é assim mesmo: historiadores e arqueólogos

nunca estiveram presentes para testemunhar

os acontecimentos isso fazem os jornalistas e os


videntes você era apenas um menino quando

kurt cobain morreu nem poderia ainda saber o dano

que causaria sua existência de crisálida taurino e

primaveril quando meu destino cruzasse com o seu


e andaríamos de mãos dadas e suando verão afora

como se fosse o primeiro (e era) berlim não era

tão esplendorosa quanto seus cachos jakob mas você

nunca soube o que foi ter 16 anos em recife na década


de noventa FHC presidente desemprego torneiras secas

filariose cólera sem vale do rio doce mas tinha chico science

abril pro rock o pior é agora não tem berlim não tem recife

não tem chico science não tem kurt cobain nem você mas FHC

ainda tem






O CAVALO #2


tu vai embora

e leva tudo o que é

meu e teu a galope

contigo

o que sobra é

writer`s block

e as camisinhas pra jogar

fora que deixo no chão

como se fossem filhos

que não quero expulsar

da casa pra lembrar do pai

e se eu não tivesse mil anos

e fosse fértil seria linda

a linhagem de puro-sangue

seus filhos os potros

que eu-égua teria parido


você vai embora e

não fica nada além

do cheiro de estábulo

limpo um misto empoeirado

de saudade e alívio






METALINGUAGEM


antes de dormir olho as 207 fotos da sua

conta no facebook porque as memórias

que tenho de você já não são mais suficientes

e porque você não manda nudes não importa

o quanto eu peça já não bastam mais as fotos

que consegui stalkear em contas de tumblr

desativadas nem me bastam as fotos da sua cara

que juntei arqueóloga de tweets de 2002 e em posts 

de blogs mortos me bastam menos ainda

as 26 fotos que fiz de você enquanto você escovava

clandestino os dentes da minha casa na minha

cara nada me basta eu quero testemunhas sua existência

em tempo real quero ver sua cara a cinco centímetros

da minha fazer fotos disso você tão perto ilegal

você aqui.



Adelaide Ivánova, em 13 nudes (edições macondo)