OS ANOS NOVENTA
você não estava lá nas coisas mais decisivas da minha vida
mas é assim mesmo: historiadores e arqueólogos
nunca estiveram presentes para testemunhar
os acontecimentos isso fazem os jornalistas e os
videntes você era apenas um menino quando
kurt cobain morreu nem poderia ainda saber o dano
que causaria sua existência de crisálida taurino e
primaveril quando meu destino cruzasse com o seu
e andaríamos de mãos dadas e suando verão afora
como se fosse o primeiro (e era) berlim não era
tão esplendorosa quanto seus cachos jakob mas você
nunca soube o que foi ter 16 anos em recife na década
de noventa FHC presidente desemprego torneiras secas
filariose cólera sem vale do rio doce mas tinha chico science
abril pro rock o pior é agora não tem berlim não tem recife
não tem chico science não tem kurt cobain nem você mas FHC
ainda tem
O CAVALO #2
tu vai embora
e leva tudo o que é
meu e teu a galope
contigo
o que sobra é
writer`s block
e as camisinhas pra jogar
fora que deixo no chão
como se fossem filhos
que não quero expulsar
da casa pra lembrar do pai
e se eu não tivesse mil anos
e fosse fértil seria linda
a linhagem de puro-sangue
seus filhos os potros
que eu-égua teria parido
você vai embora e
não fica nada além
do cheiro de estábulo
limpo um misto empoeirado
de saudade e alívio
METALINGUAGEM
antes de dormir olho as 207 fotos da sua
conta no facebook porque as memórias
que tenho de você já não são mais suficientes
e porque você não manda nudes não importa
o quanto eu peça já não bastam mais as fotos
que consegui stalkear em contas de tumblr
desativadas nem me bastam as fotos da sua cara
que juntei arqueóloga de tweets de 2002 e em posts
de blogs mortos me bastam menos ainda
as 26 fotos que fiz de você enquanto você escovava
clandestino os dentes da minha casa na minha
cara nada me basta eu quero testemunhas sua existência
em tempo real quero ver sua cara a cinco centímetros
da minha fazer fotos disso você tão perto ilegal
você aqui.