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Abertura

En
saio li
vreeeeeeeeeeeee
os cabelos caem muito, pendurados pelos braços, barriga, pernas, paredes e chão, parecem teias de aranha. Mesmo sem conseguir livrar-me delas não há como deixar de seguir em frente.
Dizem que algo precisa ser dito.

eh

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            Nos séculos I e II, a escrita de si se apresenta sob duas formas principais: os hypomnêmata e a correspondência. Os hypomnêmata, cadernetas individuais nas quais se anotavam citações, fragmentos de obras, reflexões ou pensamentos ouvidos, eram oferecidos como tesouro acumulado para a releitura e meditação posteriores. Constituíam um material para ler, reler, meditar e conversar consigo mesmo e com os outros. No entanto, esses hypomnêmata não constituem uma narrativa de si mesmo, não podem ser entendidos como os diários que aparecem posteriormente na literatura cristã, que tem o valor de purificação. O movimento que eles procuram é o inverso: trata-se não de revelar o oculto, de dizer o não-dito, mas, pelo contrário, de dizer o já dito, com a finalidade da constituição de si. Inseridos em uma cultura fortemente marcada pelo valor reconhecido à tradição, à recorrência do discurso, à prática da citação, o objetivo dos hypomnêmata é recolher o logos fragmentário transmitido pelo ensino e fazer dele um meio para o estabelecimento de uma relação consigo mesmo. Argumenta Foucault:

"O papel da escrita é constituir, com tudo o que a leitura constitui, um ‘corpo’. E é preciso compreender esse corpo não como um corpo de doutrina, mas sim segundo a metáfora da digestão, tão frequentemente evocada – como o próprio corpo daquele que, transcrevendo suas leituras, dela se apropriou e fez sua a verdade delas: a escrita transforma a coisa vista ou ouvida em forças e em sangue."

Diana Klinger, Escritas de si, escritas do outro: o retorno do autor e a virada etnográfica, p.28.