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22 de jun. de 2016

sobre minha queda sem fim

Depois de você, eu vou cair de amor por alguém
duzentos ou trezentos anos mais velho. O coração dele/dela
será um buraco
no teto da igreja. Para ele/ela, cair
será como cortar o fio de um telefone e vê-lo rolar
rua abaixo. Se fizermos amor, eu tirarei
umas férias anuais
e armarei nosso prazer como quem prepara
um jogo de xadrez, e ele/ela deixará uma maçã cair
no chão
para limpar todo o horizonte.
Ele/ela logo se cansará do meu nervosismo,
do meu sangue apressado. A coisa não vai acabar bem.
Minha/meu amante cortará outro fio, e talvez você
me encontre
novamente, perambulando o toco de um século, meus olhos
abertos
como um coco partido, meu coração o último buraco que o seu laço
atravessa.

Jack Underwood, em tradução (ousada e apressada) de Cide Piquet

um herói

O padeiro

Então Pancho Villa chegou à cidade,
enforcou o prefeito
e convocou o velho e trêmulo
Conde Vronski para jantar.
Pancho apresentou sua nova namorada,
junto com o marido em seu avental branco,
mostrou a Vronski sua pistola,
depois pediu ao Conde que lhe contasse
sobre seu infeliz exílio no México.
Mais tarde, a conversa foi sobre mulher e cavalos.
Os dois eram especialistas.
A garota dava risadinhas
e mexia nos botões de pérola
da camisa de Pancho até que,
precisamente à meia-noite, Pancho pegou no sono
com a cabeça na mesa.
O marido fez o sinal da cruz
e deixou a casa segurando as botas
sem fazer um gesto à mulher ou a Vronski.
Esse marido anônimo, descalço,
humilhado, tentando salvar sua vida, ele
é o herói deste poema.

Raymond Carver, em tradução de Angélica Freitas
copiado daqui