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25 de out. de 2010

jogo


Visão do livro infantil

Na visão das cores, a fantasia em contemplação se dá a conhecer, ao contrário da imaginação criadora, como fenômeno primordial. É que o próprio ser humano corresponde a toda forma, a todo traço que ele percebe, em sua capacidade de produzi-los. O próprio corpo na dança, a mão no desenho, reproduz os elementos de sua percepção e os incorpora a si. Esta capacidade encontra porém os seus limites no mundo das cores: o corpo humano não é capaz de produzir a cor. Ele não corresponde a ela em sentido criativo, mas sim receptivo: através do olho que reverbera em cores. [...] Em suma: a cor pura é o meio da fantasia, a pátria de nuvens da criança que brinca, não é o cânone rigoroso do artista que constrói. Nesse contexto insere-se o efeito “ético-sensorial” das cores, que Goethe apreendeu inteiramente no sentido do Romantismo:

As cores transparentes são ilimitadas em sua luminosidade e em seu obscurecimento – como fogo e água podem ser contemplados em seu ápice e sua profundidade [...] A relação da luz com as cores transparentes é, quando se aprofunda nisso, infinitamente encantadora, e o inflar das cores e o dissolver-se umas nas outras, e o ressurgir e o desaparecer é como a tomada de fôlego em largas pausas, de eternidade em eternidade, da luz mais intensa até a calma solitária e eterna nas tonalidades mais profundas. As cores opacas, ao contrário, são como flores que não ousam comparar-se com o céu, e, todavia, vinculam-se, de um lado pelo branco, com a fraqueza, e de outro pelo negro, com o mal. Mas justamente essas cores são capazes [...] de produzir variações tão agradáveis e efeitos tão naturais que [...] as transparentes, ao final, participam desse jogo apenas como espíritos e servem tão somente para ressaltar as opacas.

Com estas palavras, o “suplemento” à Teoria das cores  faz justiça à sensibilidade desses abnegados coloristas e, consequentemente, também ao espírito dos jogos infantis. Que se pense nos muitos jogos que se dirigem à pura intuição da fantasia; as bolhas de sabão, jogos de chá, a úmida policromia da lanterna mágica, as aquarelas e decalcomanias. Em todos eles as cores flutuam aladas sobre as coisas. Pois o seu encanto não irradia do objeto colorido ou simplesmente da cor inanimada, mas sim da aparência colorida, do brilho colorido, da reverberação colorida. 

Walter Benjamin

Um comentário:

  1. Este texto envolveu-me no jogo das cores, dos sons e movimentos. Preciso dele pra meditar muitas vezes.
    O autor é muito sensível e sua escolha muito apropriada

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