[...] O tempo é o maior tesouro de que um homem pode dispor;
embora inconsumível, o tempo é o nosso melhor alimento; sem medida que o
conheça, o tempo é contudo nosso bem
de maior grandeza: não tem começo, não tem fim; é um pomo exótico que não pode
ser repartido, podendo entretanto prover igualmente a todo mundo; onipresente,
o tempo está em tudo; existe tempo, por exemplo, nesta mesa antiga: existiu
primeiro uma terra propícia, existiu depois uma árvore secular feita de anos
sossegados, e existiu finalmente uma prancha nodosa e dura trabalhada pelas
mãos de um artesão dia após dia; existe tempo nas cadeiras onde nos sentamos,
nos outros móveis da família, nas paredes da nossa casa, na água que bebemos,
na terra que fecunda, na semente que germina, nos frutos que colhemos, no pão
em cima da mesa, na massa fértil dos nossos corpos, na luz que nos ilumina, nas
coisas que nos passam pela cabeça, no pó que disseminamos, assim como em tudo
que nos rodeia; rico não é o homem que coleciona e se pesa no amontoado de
moedas, e nem aquele, devasso, que se estende, mãos e braços, em terras largas;
rico só é o homem que aprendeu, piedoso e humilde, a conviver com o tempo,
aproximando-se dele com ternura, não contrariando suas disposições, não se
rebelando contra o seu curso, não irritando a sua corrente, estando atento para
o seu fluxo, brindando-o antes com sabedoria para receber dele os favores e não
a sua ira; o equilíbrio da vida depende essencialmente deste bem supremo, e
quem souber com acerto a quantidade de vagar, ou a de espera, que se deve pôr
nas coisas, não corre nunca o risco, ao buscar por elas, de defrontar-se com o
que não é [...]
Raduan Nassar, Lavoura arcaica, capítulo 9
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