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16 de out. de 2017

mistério, segredo e muito mais


            Sobre meu braço esquerdo, sua cabeça (leve, não obstante a impressão de peso e de volume); seu braço direito sob minha axila. A persistente e hábil pressão, em minha língua, de seus dentes grandes e espaçados. A planta do meu pé esquerdo brandamente pousada sobre o dorso do seu pé direito. Ingratidão é o prêmio do mundo – dizem em alguma parte os cantores. Mas eu sou grata, eu sou grata, não na boca, e sim em toda a minha carne, a tudo o que purgo para chegar a este minuto, à intensidade com que responde meu corpo à aproximação do corpo deste homem, à força com que meus quadris o arrastam para mim, ao modo como nos povoam o bosque e a fauna ligeira do tapete, à cega ânsia com que nos abraçamos, à temperatura desta hora, que me permite ostentar minha nudez e embeber-me na sua como se os meus olhos fossem bocas e eu morresse de sede, e vê-lo desnudo me dessedentasse e intensificasse a minha sede. Também sou grata ao surdo e polido fulgor de nossos corpos. Ele me olha em silêncio, olha-me de perto (o azul estriado de ouro dos seus olhos) e sua mão esquerda, descendo pelo ventre, toca-me a parte interna das coxas. Eu abro as narinas, eu abro os poros, eu abro a garganta, eu abro as artérias, eu abro um espaço, eu abro passagem, eu abro as alas, eu abro as asas, eu abro uma fruta, eu abro uma lucarna, eu abro as janelas, eu abro um portão, eu abro uma rua, eu abro uma clareira, eu abro uma vereda, eu abro uma estrada, eu abro uma fenda, eu abro uma vala, um sulco, uma cova, um rego, uma frincha, uma brecha, as pernas, abro as pernas, as coxas, os pés, os joelhos, abro o sexo e ele invade a minha carne. Lanço um grito de júbilo.


Osman Lins, Avalovara, p. 209-210

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