Sobre meu
braço esquerdo, sua cabeça (leve, não obstante a impressão de peso e de
volume); seu braço direito sob minha axila. A persistente e hábil pressão, em
minha língua, de seus dentes grandes e espaçados. A planta do meu pé esquerdo
brandamente pousada sobre o dorso do seu pé direito. Ingratidão é o prêmio do
mundo – dizem em alguma parte os cantores. Mas eu sou grata, eu sou grata, não
na boca, e sim em toda a minha carne, a tudo o que purgo para chegar a este
minuto, à intensidade com que responde meu corpo à aproximação do corpo deste
homem, à força com que meus quadris o arrastam para mim, ao modo como nos
povoam o bosque e a fauna ligeira do tapete, à cega ânsia com que nos
abraçamos, à temperatura desta hora, que me permite ostentar minha nudez e embeber-me
na sua como se os meus olhos fossem bocas e eu morresse de sede, e vê-lo
desnudo me dessedentasse e intensificasse a minha sede. Também sou grata ao
surdo e polido fulgor de nossos corpos. Ele me olha em silêncio, olha-me de
perto (o azul estriado de ouro dos seus olhos) e sua mão esquerda, descendo
pelo ventre, toca-me a parte interna das coxas. Eu abro as narinas, eu abro os
poros, eu abro a garganta, eu abro as artérias, eu abro um espaço, eu abro
passagem, eu abro as alas, eu abro as asas, eu abro uma fruta, eu abro uma
lucarna, eu abro as janelas, eu abro um portão, eu abro uma rua, eu abro uma
clareira, eu abro uma vereda, eu abro uma estrada, eu abro uma fenda, eu abro
uma vala, um sulco, uma cova, um rego, uma frincha, uma brecha, as pernas, abro
as pernas, as coxas, os pés, os joelhos, abro o sexo e ele invade a minha
carne. Lanço um grito de júbilo.
Osman Lins, Avalovara, p. 209-210
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