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13 de out. de 2018

soldado




para Vitor

hoje fez um dia bonito quente azul triste
e ontem meu amigo cortou os pulsos
não sei dizer o quanto dói
a vida violenta
somos pouco generosos
insuficiente o afeto que se sente
impotência frustração
meu amigo inteligente
escreve como poucos
e como socos no mundo questiona, zomba, desconfia
sobretudo de si mesmo
valorizo a sabedoria de quem não se leva a sério
tento imaginar como é
caminhar sobre esse terreno pegajoso
um lodo, o esgoto escorregadio e contaminante
da incerteza o tempo todo corroendo
suponho coisas sobre ele
e me envergonho
meu bairro não é diferente
também eu sei bem pouco onde piso
mas aprendi a encontrar o centro de gravidade
no meu corpo
um equilíbrio sempre provisório
respirar
e a dura aprendizagem de não trair o que se sente
buscamos o destinatário pra cartas, beijos, socos e poemas
um outro pra depositar um pouco do tanto que não cabe (nunca coube)
mantimentos acumulados na despensa
sobras e rabiscos abandonados na gaveta
a lista de afazeres ou possibilidades
palavras de espanto e estímulo
não, ainda não é suficiente
meu amigo quer mais
tem sede e fúria num mundo que só oferece gentileza aos pacíficos e acomodados
ele se arma
soldado
escrever mais
rápido
forte
certeiro

eh

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