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21 de ago. de 2009

passo


Micromovimento

[2]

I.
fico pensando nas modulações de um rosto nas
modulações de uma fala como se houvesse
por detrás de um rosto fixo de uma fala fixa
algo que modula algo
que ondula os movimentos sutis da sobrancelha
dos lábios os movimentos sutis dos lábios se apertando se contraindo
encontrando os dentes como se algo
modulasse estes micro-movimentos uma onda
uma cascata uma queda forte d`água uma espera
necessária de um rio que segue e espera a cheia
e retorna como as modulações da maré a oscilação da maré
algo tão natural quanto isto ou quanto a espera do sol de manhã

II.
nas modulações de um rosto haveria uma alternância de graus
de temperaturas uma alternância gradual em que seria possível até
medir graus de oscilação graus em que as cores se adensam ou se diluem
se compõem ou decompõem se unem ou se separam
modular não seria diferente de pintar misturar as cores diluir as cores
matizar esticar uma linha delimitar contornar não seria
diferente de estar aqui olhar pela varanda olhar por cima do teu ombro
a desordem da casa olhar por cima do teu ombro e rever a temperatura na varanda
alguns graus acima ou abaixo não seria diferente de
dar-se por satisfeita em meio à desordem ou em meio ao excesso
de ordem e cotidiano espalhados pela casa

III.
modular poderia ser algo próximo a encontrar
um breve ponto de apoio nos olhos de alguém que te olha
fortuitamente de alguém que te olha com o receio e a rapidez
necessários para mudar o rumo de um assunto modular
um assunto é algo próximo a isto:
você estende as mãos tão cheias tão repletas de coisas
que rapidamente a modulação se dá há um encontro um breve
encontro de olhos como em um fotograma congelado
mas tudo se passa tão rápido que você não tem tempo de virar a cabeça
algo se passa e você é violentamente conduzido numa cascata
e há sobretudo um esquecimento que sobra e esvazia a cena
como se nada tivesse acontecido de fato

Anitta Costa Malufe
(na Coyote n. 19)

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