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25 de nov. de 2012

zoophilia

Por onde andará Stephen Fry?


Por onde andará Stephen Fry?
Por onde andará Stephen?
Ninguém sabe do seu paradeiro
ninguém sabe pra onde ele foi
pra onde ele vai
Stephen may be felling
all alone
Stephen never do this again
come back home
Se correr o bicho pega Stephen
se ficar o bicho come

Zeca Baleiro




Stephen Fry não era uma cadela como as outras. Isso era perceptível a qualquer um que se deparasse com ela. Como se não bastasse sua aparência um tanto estranha, uma combinação de raposa com pincher ou sabe-se lá o quê (muitos foram os que tentaram adivinhar os componentes da mistura), fazia uso de dotes dramáticos muito refinados. Ah, e usava meias, quatro meias soquete. Stephen Fry também possuía muitos nomes e a todos atendia com a mesma indiferença se não viessem acompanhados de um suculento pedaço de carne ou de uma porção de arroz, puro mesmo. É que no final da vida lhe restavam poucos dentes, triturar a ração já era um grande esforço. Mas, mesmo antes disso, talvez já prevendo as limitações futuras, Stephen se aprimorou na arte dramática. Ao perceber movimentação ao redor da churrasqueira – qualquer uma da vizinhança – para lá se dirigia, sem demoras, com seu passo curto, abanando a cauda de esquilo. Ou de raposa. Ou de um mini-pastor alemão capa-preta. Tanto faz. Chegando perto da churrasqueira e das pessoas, já começava a demonstrar toda sua astúcia: tossia, espirrava, cheia de tremeliques, gania e fungava como se tivessem mesmo chegado os seus últimos minutos. Claro que era recompensada, seu engenho era certeiro e capaz de atingir até os corações mais duros, que não lhe negavam uma lasquinha de carne ou migalha de pão. Alegria maior aos domingos! Passava de casa em casa, fazendo o seu show. Ninguém da vizinhança sabia sua idade, todos afirmam que ao chegar ela já estava ali. Ela não tinha paciência pra alegria imbecil dos cachorros mais jovens, achava muito metidos os gatos com suas superioridade e malemolência. Gostava mesmo de ser acariciada com uma vassoura dura, o instrumento mais adequado para o seu pelo espesso. Stephen Fry sabia bem se passar por vítima quando, na verdade, era uma rainha! Seus latidos imperativos faziam o dono lhe abrir o portão ou lhe servir um pote de água fresca mesmo no meio de uma madrugada fria. Era educada, isso sim! Não sujava seu próprio terreno de jeito algum, mesmo que precisasse aguardar alguns minutos para escapar durante a passagem de alguém pelo portão e ir ao mato vizinho. Daí aproveitava o momento para passear pelas suas antigas casas ou cochilar na grama, sob o sol. Em um de seus passeios Stephen Fry foi encontrada pelo terrível casal do carro grande azul. O casal do carro grande azul se acha muito importante, demonstra sua importância com seu carro grande azul. O casal viu Stephen um dia, fizeram uma série de suposições sobre os bichos com os quais Stephen se assemelhava – um esquilo, uma raposa, um pincher -, nenhuma era inédita. O casal do carro grande azul sentiu pena de Stephen ao ver sua perna trêmula, sua língua de fora, seu olho cego, seu passo lento e achou que sabia bem aquilo de que Stephen precisava. Foi então que levaram Stephen no seu carro grande azul, para sua grande casa rosa, com mais três poodles e um chiwawa. Ao final do mesmo dia em que Stephen chegou na grande casa rosa do casal do carro grande azul, foi levada para outro lugar estranho, com cheiro estranho. Ela, que não sabia o que eram vacinas ou vermífugos, e nunca havia ido a um pet-shop, gostou do banho e também do ar quente do secador. Mas achou uma bela porcaria os lacinhos e o perfume. Ela agora tem uma almofada limpa e cheirosa, mas daria tudo pra voltar ao velho bairro, aos churrascos de domingo, aos cachorros e gatos companheiros de tantas jornadas, ainda que fosse para dormir em cima de um saco de carvão e acordar com suas meias soquete brancas bem pretinhas... Ela, que vira o bairro crescer tão rapidamente e ainda preferia as ruas antes do calçamento, antes de tantas casas. Mas o casal do carro grande azul não entende o comando de seus latidos e lá na casa grande rosa toda sua técnica de encenação não tem surtido o menor efeito! O jeito agora é se resignar à vida na casa grande rosa e suportar o latido estridente dos poodles e do chiwawa. Quando eles se aproximam para dividir o calor e compartilhar a almofada, Stephen não tem pena e dá o bote. Certeiro. Ah! Se ainda lhe restasse algum dente...


eh

Um comentário:

  1. Este texto é ótimo! Eu amo estas palavras e sempre tenho que rir porque me lembro do objeto destas palavras e da sua história em nossas vidas.
    Acho que Stefhen vai pro céu dos animais com todos os outros que já foram... vai bater muito papo e contar como dominou os humanos!

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