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19 de ago. de 2016

ao léu

Elogio ao meu marido

suponho que não tem sido fácil viver
comigo também, com meus piques, e altos
e baixos, a minha necessidade de privacidade
orgulho leonino chorando na cama quando você
está tentando dormir e você, interrompendo-me
no meio de mil poemas
chamei o pessoal do seguro?
a vez que você parou um poema
no meio da viagem entre as colinas de nebraska
e no colorado, odetta cantando,
o mundo inteiro cantando em mim
o triunfo da nossa revolução no ar
eu a ponto de anotar aquilo, e você
você está dizendo algo sobre o carburador
e tudo se desfez

mas nos agarramos um ao outro
como se cada um pensasse que o outro fosse um bote
embora à deriva, como nesta casa de barro
não tão grande, de paredes empoeiradas ao redor,
uma chuva de poeira fina contrariando o astral,
o ar fresco e entupindo nossas narinas
penduramos nossas fotos, de mundos tão diversos:
new york collage e posters de são francisco,
colocamos nossos pratos japoneses, talheres chineses
martelamos panos de enxoval indiano sobre a argila
esbarramos nos silêncios de nossas entranhas
desajeitados, de um lugar a outro
como crianças que fogem para brincar
num barco à noite
e o barco escapa das suas amarras,
e eles olham para as estrelas
sobre as quais nada sabem, tentando descobrir
para onde eles estão indo


Diane di Prima, em tradução de Vanderley Mendonça, na antologia “Meninas que vestiam preto”

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