um abraço
quando nos encontramos e nos abraçamos por
apenas
alguns segundos, quando coloquei minha cabeça ao
lado
da sua e o seu tronco por poucos instantes se
colou
ao meu tronco, com minha mão pousada nas suas
costas, sobre sua pele, sobre sua coluna
vertebral, nisso que se define normalmente como
um abraço
de cumprimento, de duas pessoas que não se veem
há
algum tempo e por algum tempo se abraçam
para celebrar a alegria do encontro, do
reconhecimento
do rosto, do corpo, da vida mútua, esse abraço
comemora, numa pequena intimidade, um encontro,
ainda que, de modo furtivo, um pequeno lapso de
tempo, dois ou
três segundos, pouca coisa mais ou menos do que
isso, esse abraço que envolve meu tronco no seu
tronco, de
onde brota o seu corpo, de onde nascem os seus
membros
e por onde circulam fluidos e voltagens
elétricas em rajadas ínfimas regulando o tônus que dá integridade ao seu corpo,
que faz com que seu corpo esteja de pé,
na minha frente, comandando seus braços a se
entrelaçarem
nos meus nessa configuração que caracteriza o
abraço, esse e
qualquer outro, nesse abraço em que nossos
corpos se tocaram e
que por parcos segundos senti sob a minha
mão suas costas, sua espinha dorsal e suas
costelas sob meus
dedos, em que senti ou intuí que seu coração
batia ali dentro
comandando a maquinaria do seu corpo,
impulsionando
sua vida, pensamentos, sonhos, memórias, a
prosseguir
no dia, no tempo, sob a minha mão espalmada
em
suas costas, sob a pressão delicada (ou
dedicada) dos
meus dedos, o arcabouço que protege sua vida,
a vida que circula em seu tronco, por míseros
instantes
colados ao meu tronco, quando seus seios se
colaram ao meu peito, quando seu coração
se aproximou do meu pelo tempo que costuma
durar o abraço, na duração dos braços e do
tronco,
na duração do corpo, da mão espalmada sobre suas
costas,
no tempo nem imenso e nem ínfimo que
perdurou
nesse abraço em que se abraçaram as vidas, os
sonhos,
os pensamentos, os sorrisos entrelaçados, como
os braços,
como os troncos aproximados, unos quem sabe,
durante
um espaço de tempo incomensurável, eu diria, mas
efetivamente sentido pelo corpo e transmitido
pelos meios
elétricos e químicos ao lugar em que se dá a
geração
destas palavras, em que brotam as ideias que se
armazenam e perduram no meu corpo, que se
abraçam à minha
vida a partir daquele abraço que pouco ou quase
nada durou em matéria de tempo cronológico, mas
que
insiste ainda agora, aqui, quando me invade a
forma
do seu tronco colado ao meu naquele dia em que
nos
encontramos
Caio Meira
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