Páginas

19 de mai. de 2020

entrega

DILUVIANA
II
Você toma os meus quadris
e solto meu corpo no teu ritmo
como quem aceita a cadência das marés
Entrego cada músculo e cada órgão
acata o desconhecido
.
Cravo meus dentes nos teus ombros
Sorvo no teu suor o sal do mar que habitas
Sinto no teu calor o sol que cobre as tuas ilhas
Você - um homem que é todo um mar - dentro de mim se move
como faz o vai e vem das ondas
.
Eu, úmida
ávida
te recebo
.
E quando, sob o peso do teu corpo, fecho os olhos
sinto-me tomada por cardumes que cintilam
em silêncio
Tenho-me envolta na espuma salgada dos dias
Atravesso milênios para trás
Toco a Origem
e vejo, através do tempo, a existência ganhando forma
nas profundezas da água
dos primórdios da vida na Terra
.
O mergulhador que me esperava
(desenho imóvel no teu braço)
ganha vida e salta para dentro de mim
perscruta-me incansável
desce às profundezas abissais
contempla pérolas que aguardavam
mudas, ao longo dos anos,
e encontra objetos tomados por estranhas formas de vida
.
Eu, entregue
deixo-me invadir
a revelar minhas águas, meus fluidos
meu sangue rubro em torrentes trêmulas
de gozo e espanto
Absorvo o mar e todo o seu mistério
ao lamber tua pele encharcada
e inunda-se em mim tudo o que antes foi abismo
tornam-se oceanos os meus desvãos
.
E no ápice, enquanto levito em orgasmos
faz-se a epifania: naquele instante fugaz, decifro
todos os enigmas do mundo
.
No teu corpo compreendo tudo.

Isabela Penov

Nenhum comentário:

Postar um comentário