estamos sentados um de costas para o outro
as pernas dobradas, as mãos nos limites das próprias mãos
monges preguiçosos em estado de sonolência,
[inspirando e expirando o ar tóxico – da covardia?
O ancestral conflito entre o palco e a caverna
Mas não, este nunca foi o nosso principal embate.
[já havíamos iniciado o exaustivo trabalho de
[tirar as milhares de lâmpadas do palco e de
[tentar acendê-las na caverna.
agora tudo se resume às nossas novas posições, que por
[mais ilusórias que possam ser, e talvez exatamente
[por isto, geram a pior das insuficiências: um animal
[sagrado tentando escapar da areia movediça.
não adivinho mais o alinhamento do teu rosto – e eu
[era especialista nisto.
“tenho ânsia desmedida de te contar a minha história”, tu
dizias.
e para espanto de ambos, descobrimos que fui a mesa
[na qual esteve a cesta dos pães que te alimentaram
[durante a infância, que foste a cama que sustentou
[as primeiras grandes elaborações do meu
[inconsciente.
herdamos (da prudência? do medo? da aceitação do fim?)
[aquela indiferença brutal de levantar rochas
[mentalmente com um único objetivo: o de soltá-las
[(não sem alguma hesitação) em cima dos musgos
[capazes de amaciar os nossos traseiros e nos colocar
[novamente um de frente para o outro.
preciso admitir: tens tido mais sucesso do que eu.
preciso perguntar: desde quando tens também tanta
[intimidade com os minerais?
preciso transcrever uma indagação ontológica
[cosmológica imemorial: como ousas
[esmagar a beleza em nome da beleza?
tento colocar entre nós o espelho duplo deus/humano
tento mostrar que os afrescos nos pertencem mutuamente
os murais estarem divididos não significa que as crianças,
[o bosque, a ponte, as árvores floridas sejam realidades
[apenas tuas. Não significa que as serpentes, o lodo, a
[lua, os peixes escuros sejam realidades apenas minhas.
mas para alguém que escreve tantas derivações da
[palavra “tentativa”, e para alguém que ignora
[todas as formas que tal palavra toma mesmo
[debaixo de escombros, não haveria outro
[destino além do fracasso:
continuamos sentados um de costas para o outro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário