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20 de set. de 2009

muitas direções. um passo.

Tantas gerações nos antecederam, tanto saber foi maior que a ciência, tanto afeto e ópio fizeram acreditar no homem, tanta morte gloriosa coroou a convicção, tanta morte violenta conferiu realidade à combinatória das piores probabilidades, tantas cabeças cortadas e enroladas em verso metrificado e no fluxo informe do bom senso, tanta arbitrariedade e tanta sutileza reunidas no fio do relho e da frase tensa, tanta chuva e tanta laranja, e com as mãos secas, aqui estamos — nus, mudos, indigentes, como se tivéssemos acabado de nascer. Nosso pecado de origem foi o de não ter nascido antes, antes da história, antes da conversa, antes do banho. Giramos em torno de tudo, até que tudo passe a girar em torno de nós e refaça a sangrenta marcha na direção do passado. (Hoje dispensei os chinelos, desci descalço na direção da porta do prédio. Tudo me levava à comunhão com o solo, a um espírito de precisão. Mas nunca na sola dos pés percebeu-se um tamanho embaraço. E a razão do próximo passo feriu-se à sombra amarela da repetição. Olhei bem direto no metal e no vidro da porta, queria derretê-los, mas minha força se dividiu em duas. Uma delas partiu em direção à rua, levando o lixo, fiel à sua humana pista, e desfez-se, pó de dias. A outra aqui ficou, ciência sem método, acumulação sem dono, direção sem rumo.) O que esperam é que os leve pela mão e sirva o café ou que a ambigüidade os libere do desconforto do sentido. Os que chegarem a tempo, verão. E nada além de uma prosa, limpa prossegue.

Marcos Siscar

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